Saturday, December 08, 2012

Nota 5. Sobre pessimismo, ou aquele wackadoodle de novo

Não é realista o que ignora a fragilidade na estupidez de um recém-nascido, para então salientar a brutalidade na estupidez da guerra; nem também o inverso. É realista o que enxerga, entre esta estupidez e aquela, um continuum - i.e., o que vê panoramicamente. Assim, o otimista é: ou bem um realista imoral, por enxergar panoramicamente, mas ainda assim manter que a atrocidade sobre um indivíduo é compensada pela felicidade de outro*; ou um irrealista amoral**, sem visão panorâmica mas capaz de focalizar predominantemente "o lado cheio do copo", como tenderá a dizer, com os intensos arrepios anais que induzem, nesse tipo, as alegorias institucionalizadas. O pessimista, por seu turno, seria: ou um realista com uma inquietação moral, por ver panoramicamente e manter que a atrocidade sobre um indivíduo não pode ser jamais compensada pela felicidade de outrém; ou um irrealista moralmente inquieto, sem visão panorâmica mas incapaz de (ou menos inclinado a) ignorar a atrocidade ou, como diria tio Costeleta, "a dor do mundo". Assim podemos dizer que, para todos ou quase todos os efeitos (éticos, pragmáticos, talvez ontológicos), realismo e pessimismo são indistinguíveis.

* Uma réplica possível seria: a atrocidade recaindo sobre um indivíduo é compensada pela felicidade recaindo sobre o mesmo indivíduo, em momento distinto. Há duas respostas possíveis:
1. De um ponto de vista ético, é irrelevante se a felicidade compensa a infelicidade, dado que, se houve pelo menos um indivíduo no mundo sobre quem a atrocidade recaiu gratuitamente - isto é, sem justificativa moral -, então podemos dizer que a distribuição de infelicidade no mundo é, na melhor das hipóteses, essencialmente amoral - i.e. gratuita.
2. Mesmo se assumimos que a compensação da felicidade é relevante: ainda assim, se houve, em toda a história da biosfera, pelo menos um indivíduo (ou animal) S cuja infelicidade não foi compensada por felicidade individual correspondente, sem qualquer justificativa moral para tanto, então é verdadeiro que a distribuição da atrocidade no mundo é amoral - isto é, nem a felicidade do mundo, nem a sua própria, é uma razão moral para que a atrocidade (por hipótese não compensada individualmente em felicidade) haja recaído sobre S.
** Se a atrocidade é pelo menos tão presente quanto a felicidade na biosfera (uma concessão fácil, preponderando a opinião de que a felicidade é rara), então a capacidade de ignorar a atrocidade implica, no mínimo, amoralidade. Uma discussão sobre a equivalência entre a amoralidade e a imoralidade não seria pertinente à presente nota.

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