Friday, August 31, 2012

Nota 3. Sobre a categoria "morte" e seu uso metonímico: O termo "morte" pode ser usado metonimicamente para representar toda a categoria de imposições do mundo ao homem, sobre as quais este não tem deliberação ou controle. Tal uso é justificado, uma vez que a morte constitui exemplo polar da categoria referida. O pólo oposto à morte é o da estética, e não o da catarse, dado que esta também configura uma imposição do mundo ao homem. Assim, o sexo (do tipo deserotizado) é apenas um aspecto da morte; como um negativo, ou uma segunda face, tal como a água é nuvem ou rio, conforme mudam as condições de pressão e temperatura do ambiente. Por outro lado, o sexo erotizado é a união de morte e estética, o que possivelmente constitui "amor". Mas este último corolário pode ser precipitado*, se tomado sem qualificações e nuances; deixo para exame posterior.

Nota 3.1. A resposta previsível seria que, no caso do amor, a catarse - na categoria morte - pode "alimentar" a estetização, tal como a morte pura "alimenta" a estetização em caso de solidão; uma teoria análoga à da sublimação de Freud. Isto seria reduzir o amor a um escapismo cujos pistões são, justamente, aquilo de que se tenta escapar. Como na teoria de Freud, esse cenário implica que a estetização aponta para o oposto de si mesma [uma teoria paraconsistente? nah, putaria]. Mas essa sublimação contraditória e, ao mesmo tempo, estável, parece implausível no caso do amor, que não parece ameaçado por auto-contradição - ainda se assumimos que sempre tenderá a tanto, em momento posterior. Portanto, o sistema de Freud parece se aplicar mais à situação extra-amorosa, em que a estetização, com efeito, guarda um estofo inconsistente de morte, e conduz costumeiramente a conflitos e instabilidade ontológica. Talvez o amor seja, afinal, a singularidade no sistema, na qual estética e morte são compatíveis, ou uma só natureza.

Nota 3.2. Aos escritores, ou artistas em geral, soará familiar a resistência asinina que a morte oferece como tema, a todo aquele (pobre imbecil) que se embrenhe, entusiástico, na tentativa de capturá-la. Ó, cativante asno, não estás só (ou estás?). Mesmo a linguagem coloquial e corporal - um conjunto de estetizações canhestras - é consistentemente bitchy para exprimir a morte, ainda que fora dos parâmetros artísticos, como qualquer um acabará percebendo, se não for antes promovido a fertilizante. Parte da razão para tanto reside na asserção inicial da Nota 3, de que a morte não é pontual, senão uma metonímia para uma ontologia inteira. Exprimir a morte requer exprimir toda a realidade; ou um delírio de grandeza, ou estupidez, à maneira de Sísifo. Mais que isso: o delírio da expressão da morte é o delírio da possibilidade de fuga à solidão ontológica.

Nota 3.3. Esboçando uma justificativa da singularidade. (Alerta de sutileza).

Se o amor é uma suspensão parcial - temporária ou não - da solidão ontológica mencionada, temos aí o rationale para explicar como morte e estética se tornam compatíveis. Qual seja: eliminando parcialmente a solidão ontológica, torna-se possível a expressão - e portanto o testemunho parcialmente compartilhado - da morte (passo 1), em seu sentido metonímico. No passo seguinte (passo 2, mais sutil e, na superfície, menos intuitivo), a estetização do sujeito passa a ser corroborada pelo outro, que figura como uma espécie de (na falta de termo melhor) porta-voz da morte, por participar, ainda que parcialmente, do domínio além dos limites da solidão ontológica do sujeito. Isto é, o outro é ainda parcialmente parte do mundo, e não do sujeito. Assim, a própria morte, na figura do outro, corrobora e autoriza a estetização efetuada pelo sujeito, e a compartilha (passo 2), assim como o outro compartilha a morte (passo 1). Desse modo, morte e estetização tornam-se compatíveis. Tentarei sistematizar o mecanismo esboçado soon enough.

* Por exemplo, nos demais aspectos da vida - isto é, nos aspectos extra-sexuais - a união de estética e morte é impossível, donde ser impossível, em última análise, representar a morte artística ou filosoficamente, senão de forma indireta**. Então, em que sentido o amor seria uma exceção? Ou não é?

** Mesmo tentativas mais diretas de exprimir a morte, como o Montanha Mágica de Thomas Mann, são ainda indiretas; podadas pela limitação de se manifestar esteticamente. Uma das tentivas mais diretas talvez seja o funk carioca, ao tentar expressar o sexo com o menor erotismo ou estetização possíveis. De mais a mais, o minimalismo é mórbido bagarai.

Wednesday, August 01, 2012

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